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Quem é o "user" dessa UX e por que usamos os produtos que usamos?
Coisas de Sociologia
Quem é o "user" dessa UX e por que usamos os produtos que usamos?
Clara Silberschneider
Clara Silberschneider
February 03, 2023
6 min

O que o seu produto tem de diferente de outros no mercado? Como aumentar o engajamento do usuário e centralizar o seu produto na rotina e no imaginário do consumidor? Você sabe por que as pessoas usam seu produto? Ou como elas poderiam usar mais? Falamos muito sobre a experiência de usuário (ou user experience), e no dia a dia esquecemos de indagar sobre quem são de fato os usuários dos nossos produtos.

Nesse texto vou tratar um pouco sobre dois tipos – de certo modo complementares – de consumo de produtos e apresentar brevemente algumas reflexões estratégicas de como melhorar o engajamento de usuários a partir de cada um desses cenários de produto.

Comecemos com um exercício de imaginação.

Imagine o mundo das fintechs. Diversos bancos digitais, quase todos sem anuidade, oferecendo cartão de crédito. Open finance chegando por aí, aumentando as oportunidades e a competitividade entre os atores financeiros, de modo que oferecer X ou Y de limite ou liberar um empréstimo em breve será uma mera questão de acessar os dados e desenhar a experiência. Se todos oferecem cartão de crédito, cashback, empréstimo, pix, por que o meu cliente iria escolher usar o meu produto frente a um outro? Nesse cenário, estamos falando de um produto que seria consumido pela sua mera função, o que chamarei aqui de produto como subsistência. Claro que, como já diziam por aí, não é somente de subsistência que se vive o ser humano, do mesmo modo que não é um cálculo frio e racional sobre suprir as necessidades que levam uma pessoa a usar um ou outro produto.

O cálculo sobre o porquê usar o produto X ou Y é bastante complexo e extrapola essa fase do produto como subsistência – apesar de que esse cenário irá me ajudar a apresentar uma estratégia de retenção bem legal. Muitas vezes, a escolha sobre o consumo de um produto envolve mais uma ideia do que o produto em si. Don Slater é um ótimo autor para quem quiser se aprimorar mais nessa discussão. Ele mostra como, em alguns aspectos, as pessoas não querem mais consumir objetos, e sim experiências, sonhos, valores. Outros autores do novo individualismo também aprofundam um pouco nessa régua, (Anthony Elliot é uma ótima referência). O que acontece é que nós chegamos a um ponto onde acabamos nos relacionando e entrelaçando tanto com o que consumimos que, em um processo íntimo, passamos a fazer parte deles - e eles (objetos, produtos, coisas) passam a fazer parte de nós. E a partir desse processo começamos a procurar naquilo que consumimos essa parte de nós.

Nesse processo que parece meio inconsciente, a pergunta que chega é: como podemos desenhar produtos e imaginá-los para esses usuários que, por um lado buscam essa característica de “subsistência” do produto (se compro uma blusa, é porque preciso me vestir; se faço um cadastro num banco, é porque preciso de um cartão que me ofereça crédito etc.), mas que ao mesmo tempo, além disso, estão em constante busca por si mesmos naquilo que usam – dentro ou fora de casa, nas redes ou no celular?

A seguir apresento duas estratégias focadas em cada uma dessas vertentes de consumo, a de produto como subsistência e ideia de produto como parte de si. Lembrando que as decisões sobre o uso de um produto englobam, além de outros fatores, uma junção de cada uma dessas em medidas maiores ou menores.

Produto como subsistência

Nesse cenário a base de ação é: o que fazer quando existem muitas opções no mercado que oferecem a mesma solução que o meu produto? É o caso das fintechs que apresentei mais acima, mas também inclui outras esferas de mercado, desde produtos de beleza até vestuário. Hoje é possível comprar de tudo em praticamente todo lugar. Por que comprar na Shoppe e não no Mercado Livre? Ou por que comprar com meu cartão X e não com o meu cartão Y?

A Gamificação é uma ótima estratégia para trabalhar nesse cenário. Para quem não conhece, Gamificação é uma estratégia de engajamento baseada em 8 dimensões, onde o cliente percorre ‘etapas’ e é recompensado ao final por realizar ações ou seguir regras do uso daquele produto. Claro que o tema de gamificação é bem amplo e muito rico, e para quem quiser saber mais recomendo dar uma visita no site do criador da Octalysis ou nesse texto em português da Luna Paladino, quem eu ouvi falar sobre o tema no evento do TDC em Belo Horizonte 2022. O cashback pode ser visto como uma pequena ponta de gamificação na tentativa de reter clientes que vem crescendo muito no Brasil.

Para além da gamificação, temos que lembrar que bons usuários querem ser recompensados. Essa sensação é muito forte principalmente no cenário de fintechs, em um ambiente de crise, inadimplência e inseguranças. Desse modo, um ecossistema de gamificação juntamente com recompensas podem ser ferramentas estratégicas que façam sentido para seu produto. Claro, não se esqueça de que, antes de implementar qualquer novidade, é necessário pesquisar o seu público e o próprio mercado, beleza?

Entretanto, uma coisa legal para levar em consideração é que a gamificação vai muito além dessa “recompensa” recebida pelo usuário. O estado da mente humana quando estamos engajados em atividades com histórias, metas e conquistas (isto é, dentro de um sistema que nos dê propósito na interação) é um estado de flow. Sobre esse tema, vale a pena conferir o livro do psicólogo húngaro Mihaly Csikszentmihalyi (Flow: The Psychology of Optimal Experience, que em português foi traduzido como “Flow: A psicologia do alto desempenho e da felicidade”). Flow representa o contrário de dispersão e adiciona prazer no fluxo do dia a dia naquele momento de interação. Pode ser traduzido como aquela sensação de “nossa, mas já acabou?” quando crianças – e por que não adultos? – saem da piscina de bolinhas e “não veem o tempo passar”.

No que diz respeito ao desenho de experiências e desenvolvimento de produtos, unir a gamificação à jornada do seu usuário pode contribuir para aumentar o estado do flow no ato de consumo e, consequentemente elevar o engajamento e levar à retenção de um maior número de usuários. Reforçando sempre que cada caso é um caso; mas que, se você ou seu time ainda não conhecem, vale a pena explorar e conhecer mais sobre essa estratégia.

Produto como parte de si

Quando olhamos o consumo de um produto sob a ótica de uma ideia do produto como parte do próprio consumidor, temos que entender que nossa marca extrapola o produto como subsistência. Nesse caso as nossas perguntas seriam: o que leva uma pessoa a comprar um tênis da Nike, que é made in China, e não se aventurar por comprar a versão literalmente chinesa nas lojas menos nomeadas e conhecidas? Por que as pessoas compram iPhones, quando são mais caros mas resolvem o mesmo “problema” que é conectar as pessoas umas às outras, enviar mensagens, baixar apps, etc?

Nesse caso o que interessa para o usuário não é o problema a ser solucionado – ter um calçado para andar ou ter um aparelho celular para me comunicar – mas sim a maneira como a solução nos é apresentada e o processo, o pertencimento a um grupo de pessoas com ideias similares, a vivência daquele produto através do que é vendido pela marca. Que fique claro aqui que em nenhum momento nosso consumidor ou consumidora é um ser “passivo” nesse processo onde produtos e marcas funcionariam como “manipuladores”. Na verdade, o produto e as marcas estão ali para servir ninguém mais, ninguém menos do que o próprio usuário. E é exatamente nessa busca ativa que uma pessoa opta por escolher um produto frente ao outro.

Esse cenário tem se tornado cada vez mais forte nas últimas décadas, onde produtos e objetos de consumo, além da maneira de se comunicar com o mundo, se aproximou cada vez mais do íntimo de cada usuário. No meu mestrado estudei esse processo com usuários de fones de ouvido, e fiz uma revisão histórica sobre como o escutar música evoluiu para além dos ambientes coletivos para o bolso e corpos dos indivíduos.

Com a aceleração da virtualização da vida pela pandemia, esse processo se intensificou com o isolamento social e o aprofundamento de nós em nós mesmas. Quando saímos às ruas, queremos nos sentir como que em qualquer lugar por nós conhecido: saímos às ruas como se andássemos em nossos quartos.

Por isso, hoje mais do que nunca, é urgente conhecermos nossos usuários e desenhar produtos feitos para eles (e, por que não, por eles?)

A pesquisa, nesse sentido, se torna uma poderosa ferramenta para entender como o usuário pode sentir-se no controle daquele produto. Seja oferecendo possibilidades de personalização (através de um próprio ecossistema de gamificação!), seja pelo sentimento de exclusividade e intimidade, o desenvolvimento de produtos e features tem que se reinventar para dar conta de um usuário que quer escrever suas próprias regras e alterá-las na hora que quiser. Essas regras não são fixas, e uma grande característica do momento atuação é a transformação constante – do eu e do mercado.

Daí o surgimento de várias empresas cada vez mais segmentadas e nichadas, focando em um tipo de usuário ou usuária. Mas mesmo nesses casos, dentro do tipo de usuário X existe uma multiplicidade de mundos e usuários que acessam o seu produto, não se esqueça! A ideia de um tipo ideal de usuário é útil somente até certo ponto.

O debate sobre engajamento e retenção é bem amplo e as estratégias variam de acordo com cada caso de mercado, produto e momento de cada empresa. O que propus aqui foi uma breve apresentação de dois casos (igualmente extensos e não excludentes) de consumo, para convidar os leitores e leitoras à reflexão sobre para quem estamos desenvolvendo nossos produtos e as possibilidades de aumentar o seu uso. Espero poder ter contribuído para agregar ao tema, e fico aberta para comentários e sugestões! Até o próximo texto!


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