
Você já realizou uma pesquisa quali e durante o papo com aquela pessoa teve que ‘agradecer e encerrar’, ou então teve que pedir para trazer novas pessoas no recrutamento? Já conversou com pessoas monossilábicas que respondiam com ‘sim’ e ‘não’ ou ‘tanto faz’?
Bom, se sim, você está fazendo algo de errado. Mas calma, calma. O problema não é você, mas sim o processo de pesquisa que levou àquela pessoa a estar sentada na sua frente. Por que o seu time escolheu aquela pessoa para conversar? É sobre isso que queria falar um pouco no texto de hoje, e como podemos aprimorar nosso processo de pesquisa para evitar que esse tipo de desconforto com participantes continue acontecendo.
Nesse texto eu vou tentar trazer um pouco sobre o tipo de perfil ideal que queremos ter na hora de uma pesquisa quali, e porque precisamos conversar com essas pessoas especificamente para obter insights relevantes.
Diferentemente da pesquisa quantitativa, a pesquisa qualitativa tem por objetivo investigar um problema do qual não temos hipóteses muito bem formadas ou maduras, normalmente avaliando comportamentos ou atitudes de pessoas. Uma pesquisa qualitativa vai nos trazer as dúvidas que não temos, vai nos ajudar a formular melhor o problema que queremos resolver. É principalmente sobre investigar, não validar.
É exatamente por conta desse caráter essencialmente subjetivo, de objetivar e coletar angústias, sentimentos, que a pessoa com quem estamos conversando - o assim chamado “participante” - é tão importante. O mais importante no nosso trabalho são as pessoas. São para elas que desenhamos nossas soluções, não é mesmo? Elas que consomem nossos produtos, correto?
E dentro de cada escopo com o que estivermos pesquisando, haverão pessoas mais ou menos qualificadas para que possamos conversar. Isso acontece porque, dentro da sociedade de consumo, temos pessoas com diferentes níveis de interesse para diferentes produtos ou serviços.
Por que isso acontece? Por conta de uma sociedade que nos estimula a consumir (produtos, imagens, sons, pessoas), não conseguimos trazer para o consciente o porquê de fazermos tudo que fazemos, e acabamos automatizando certos hábitos. Entenda: todos temos uma explicação do porquê, mas dependendo do tema, do produto, do serviço, isso pode ser que não me interesse em uma medida muito profunda.
Vamos a um exemplo: duas pessoas escolhem assistir o filme X numa sexta feira à noite. A primeira pessoa realmente gosta de assistir filmes e seguir as tendências de atores, e sabe até quais serão os lançamentos do próximo semestre. A segunda pessoa curte filmes de vez em quando, mas não faz muita questão de saber quem é quem, contanto que isso te relaxe numa sexta feira à noite.
A primeira pessoa pode gastar meia hora buscando algo para assistir no streaming, mesmo com dezenas de filmes na sua lista, buscando referências no google, IMDB, etc. Para ela, esse é um tema muito importante. Ela tem critérios sobre, ela mapeia o que acha bom e ruim. De certo modo, essa pessoa constrói o que é bom ou ruim; ela é uma pessoa com capacidade de argumentar sobre o tema e influenciar outras sobre o porquê de assistir esse ou aquele filme. Ela é o que nós chamamos de uma pessoa beta. É com esse tipo de cliente que nós queremos conversar no caso de uma pesquisa para entender mais sobre o segmento de conteúdo cinematográfico, por exemplo. É com esse cliente que a gente quer conversar se queremos pensar em inovação.
Vale lembrar que todos nós somos beta em algo. Mas não dá pra ser beta em tudo.
A segunda pessoa do nosso exemplo pode não ligar muito para os filmes que consome, mas ela é uma pessoa aficcionada por sapatos de luxo, e faz questão de ir em lojas presenciais fazer suas compras porque ela gosta de sentir o peso nos pés antes de fazer a compra. Nesse segmento de sapatos de luxo, ela é uma pessoa que influencia as outras, que cria opiniões e consegue discorrer claramente sobre os pontos positivos e negativos a se observar em um sapato. Ou seja, ela é uma beta naquele segmento.
Para conseguirmos alcançar pessoas betas no segmento que estamos estudando é preciso ‘arregaçar as mangas’ e ir à campo - seja virtual ou físico - para mapear quem são esses betas. Maneiras criativas de chegar até essas pessoas incluem fazer screeners poderosos, papos informais nos ambientes que essas pessoas circulam, dentre outras técnicas pré-recrutamento que ajudam com que a gente consiga sim conversar com quem tem o que dizer sobre o que queremos resolver.
E lembre-se, betas conversam com você porque elas querem. Elas gostam de falar sobre aquele assunto e aquilo impacta a vida delas num nível cognitivamente perceptivo. E falando de uma parte polêmica que às vezes é difícil escapar, é que nem sempre ‘pagar’ pelas entrevistas vai fazer com que você tenha essa pessoa presente nas suas próximas entrevistas de profundidade.
Sim, o tempo de todas as pessoas é valioso e devemos valorizá-lo. Mas a pessoa que é beta tem uma relação tão mais profunda com aquele assunto e segmento, que nem sempre será necessário remunerar com dinheiro. Ela vai querer conversar com você; e você e sua marca saberão outras maneiras de agradecê-la ao final - com um voucher para um cinema por exemplo, ou acesso a uma lista premium com dicas sobre os melhores filmes do ano (seguindo nosso exemplo).
Pode parecer que no mundo corporativo de UXR ou Consumer Insights nem sempre há espaço para um recrutamento bem qualificado nesse nível. O ideal é que você pare e pense sobre o porquê de estar fazendo essa pesquisa, qual o impacto estratégico que ela terá na sua empresa a curto, médio e longo prazo, e entender como mitigar riscos de não conversar com uma pessoa beta.
Usar a metodologia da informalidade antes de fazer um recrutamento ajuda a gente a mapear se estamos conversando com pessoas relevantes para nossa pesquisa. Além disso, se não for possível mesmo ‘sair de casa’, a recomendação é um overrecruiting de participantes para garantir que consiga falar com betas no meio do caminho. E nessa estratégia é essencial ter um screener bem alinhado e, se possível, fazer pequenas ligações antes do papo real oficial.
Mas que uma coisa é clara: quando você conversa com um beta você sabe que é um beta. E se você ainda não sabe se já conversou com uma pessoa beta, provavelmente é porque ainda não teve essa oportunidade.